agosto 16, 2016 h2horse

Amyr Klink: “Detesto a palavra sucesso. Por mim, queimava todos os livros de autoajuda”

O navegador brasileiro Amyr Klink detesta falar em uma “trajetória de sucesso”. Após mais de 40 expedições à Antártida e 30 anos depois de ter cruzado sozinho, a remo, o Atlântico Sul, ele também não define suas conquistas como fruto da sorte, destino ou de qualquer outro fator que não inclua muito planejamento, trabalho duro e o extremo cuidado com cada detalhe que uma grande viagem exige. “Detesto quem fala em sucesso. Quem fica inventando caminhos para chegar até ele. Odeio livro de auto ajuda. Por mim, eu queimaria todos”.

Se tivesse que definir o sucesso, no entanto, Amyr diria que ele acontece quando seu barco finalmente sai em direção a alto mar. “Para mim, a partida é o sucesso. Se o barco que construí navegar, esse é o meu sucesso. Não ganho medalha ou cheques. No final da viagem, o que tenho é muita conta para pagar e coisa para resolver”, afirma.

Amyr também não gosta de falar das tempestades que enfrentou ou alardear sobre os perigos que enfrentou no mar. Prefere descrever suas viagens como um presente, entregue após um longo – e “apaixonante” – processo de fabricação. “Você pode me dar um barco inteiramente novinho, com tanque cheio e equipado com o que há de melhor no mercado. Eu não vou nem subir. O que me dá mais prazer é desenhar a máquina e inventar as soluções”.

Amyr é um homem alto, forte, de olhar atento e expressão marcante. Recebeu a reportagem de Época Negócios no jardim de sua casa, na zona sul de São Paulo. O espaço é quase todo preenchido por uma enorme cúpula geodésica, estrutura arquitêtonica feita por ele de alumínio que, embora sem função prática, exige um desafiante processo de montagem e habilidade para encaixar hexágonos, pentágonos e triângulos. Dentro da geodésica, o que chama a atenção é o I.A.T, barco usado pelo navegador para a jornada solitária que ele empreendeu a remo, percorrendo as 3,7 mil milhas que separam Porto de Lüderitz, na Namíbia, de Salvador, na Bahia.

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Amyr dentro de seu barco enquanto cruzava o Oceano Atlântico Sul.

Ninguém tinha realizado a façanha – título que Amyr detém até hoje. As aventuras da viagem, que completa no próximo dia 18 de setembro trinta anos, foram contadas no best seller Cem Dias Entre o Céu e o Mar. “Quando surgiu a ideia da travessia, eu fiquei encantado com a extensão do desafio e com o fato de que os grandes problemas eram os pequenos detalhes. Como fazer com a água e comida? Qual tipo de remo e amplitude da remada? Como navegar seguindo os astros? E, assim, de brincadeira, nasceu o projeto”. O barco foi planejado para virar e desvirar após enfrentar uma grande onda – algo que ocorreu três vezes, explica Amyr. O maior desafio, no entanto, não foram as chuvas, que, no final, passaram bem longe dele. Foram os ataques de tubarões e o crescimento de molusco no casco da embarcação, que, por pouco, não deixou o navegador parado em pleno alto mar.

O economista que desbravou a Antártida
Quando Amyr cruzou o Atlântico Sul, aos 29 anos, ele já era formado em economia e havia trabalhado por anos no mercado financeiro, em uma época em que o Brasil tinha “três ou quatro dígitos de inflação”. Detestou tanto que resolveu voltar a Paraty, cidade onde tinha passado a sua infância à beira mar, contemplando a ida e vinda das canoas e a construção de pequenas embarcações. Ao retornar à cidade, dedicou grande parte de seu tempo para ler sobre viagens mar adentro e revistas francesas que discorriam sobre técnicas de barcos e aventuras pelo Polo Sul.

Descobriu, através de textos e conversas com estrangeiros, que o Brasil tinha uma riqueza naval ímpar, com “diversidade de feitios, técnicas e processos”. Resolveu participar disso. Dessa paixão, nasceram canoas, barcos e até grande veleiros em um total que supera 30 embarcações. Hoje, Amyr já contabiliza mais de 200 mil milhas percorridas em alto mar, feito que, segundo ele, só mais cinco outras pessoas alcançaram no mundo.

Após cruzar o Atlântico, Amyr decidiu que era a hora de conhecer o gélido, temido e até então pouco conhecido continente da Antártida – ou Antártica, como ele prefere referir-se. Ele participou de uma expedição brasileira em 1986, até se sentir pronto para empreender, em 1989, a sua própria, velejando sozinho por aquelas terras isoladas.

A bordo do grande barco Paraty, que ele mesmo construiu, Amyr passou 13 meses no continente, dormindo em intervalos de no máximo 45 minutos, e enfrentando o inverno, icebergs, tempestades e dias sem fim. “Minha primeira viagem à Antártica foi um desafio principalmente porque eu nunca tinha comandado a vela sozinho. Fiz uma descida bem lenta, pensando em cada detalhe e levei no total 29 dias. Hoje, faço esse trajeto em 18.”

Nesta viagem, ele ficou preso na Baía Dórian. Hibernou por sete meses no gelo por não ter condições de seguir em frente. O lugar se tornou um de seus preferidos e visita obrigatória das viagens posteriores que fez sozinho ou em companhia de sua equipe e família. “Lá tem uma casinha minúscula que os ingleses construíram e abandonaram. A gente vai lá todo ano, limpa a casa, tira a neve e conserta os vidros”, conta.

Nesta mesma viagem, Amyr decidiu ir mais além e, no meio do inverno, resolveu conhecer o gelo ártico. Em fevereiro de 1991, foi até a mais alta latitude norte que pôde alcançar, passando “três maravilhosas horas” lá, após esbarrar em um grande labirinto de gelo.

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Amyr Klink em sua casa, ao lado do barco I.A.T.

Desde que voltou dessa aventura, Amyr nunca mais deixou de ir à Antártida. Fez inúmeras viagens, levou suas filhas pequenas e muitos tripulantes. Rodou 360º o continente, circum-navegando pela rota mais difícil. Enfrentou de duas a três tempestades por dia. “As maiores situações de risco não estão no mar. São os pequenos detalhes que podem dar errado. Uma vez tive que mergulhar para consertar uma peça na casa de máquinas. Ao mesmo tempo que você tem medo daquilo dar errado, depois que você arruma vem um alívio enorme. Um prazer correspondente ao de vencer uma grande competição. O dia no mar é recheado de pequenas alegrias e aflições como essas”.

Hoje, ele afirma conhecer cada costa, encosta, gruta ou regiões com a maior incidência de pinguins. Mostra a quem o acompanha nas viagens os lugares para nadar ou para contemplar – com ou sem neve. É por isso que sente tão de perto as mudanças climáticas no continente. “O ambiente lá sempre muda. Mas com a intensificação dos fatores climáticos, as mudanças estão se acelerando. Se você for cinco vezes por ano para lá nos mesmos lugares, verá muita coisa diferente”.

Criatividade para fabricar por um preço viável 
Amyr gosta de lembrar e ressaltar que, em mais de 20 anos de suas visitas à Antártida, ele  nunca perdeu tripulantes ou sofreu quebras ou acidentes graves. Sorte? Ele não define assim. “Isso só ocorreu porque nos envolvemos no processo. Não gosto das viagens em si. Gosto é de viajar com os equipamentos que nós pensamos, criamos e testamos. A viagem é onde experimentamos eles e nos divertimos”, afirma.

Seus barcos – mais precisamente os três que levam o nome da cidade em que cresceu – são conhecidos e admirados por suas inovações, soluções técnicas criativas e inusitadas. Cascos de alumínio, refrigeração do motor através de convecção e modos de tintura mais eficientes são alguns dos exemplos.

Para Amyr, inovação é buscar resolver um problema a um preço e custo coerente. Lição que ele tirou das aulas de economia. Para elaborar o custo final, ele considera os gastos da construção do barco somados àqueles provenientes de dois anos de uso. “Diria que nossa especialidade hoje é encontrar um equilíbrio entre inovação, tecnologia e viabilidade econômica”.

Esse trabalho e pensamento, aplicados há mais de duas décadas, foram essenciais para vialibilizar muitas viagens. Segundo Amyr, foram poucas as vezes em que ele contou, de fato, com patrocínio. Bancou muitas de suas primeiras viagens construindo barcos de terceiros e buscando economizar na construção dos seus.

Sem formação em engenharia, sempre dedicou grande parte de seu tempo estudando técnicas, formas, matemática e garimpando quem pudesse ajudá-lo no processo. Desde quando montou seu primeiro estaleiro há quase 20 anos, ele sente no dia a dia a falta de profissionais qualificados – ainda mais quando se trata de inovações no setor. “Quando começamos a produzir cascos de alumínio, não encontrávamos soldadores. Tivemos que formar pessoas que rapidamente saíam com outras propostas do mercado”. Amyr é um grande crítico do modelo atual de educação brasileiro, que dá grande peso ao ensino superior em detrimento do técnico.

No campo naval, o resultado, para Amyr, é a formação de engenheiros teóricos, que sabem muito pouco de soluções práticas. “A esmagodora maioria de engenheiros que a gente usa, precisamos reeducar, porque eles saem da faculdade com zero de habilidade manual. Toda a teoria que sugerem aplicar é inútil, porque lhes falta uma sensibilidade tátil. No caso do nossos barcos, que são expostos a situações extremas, é muito importante ter mais que fórmulas e padrões de segurança”.

Segurança em alto mar
Amyr não acha que seu trabalho inspirou a evolução da indústria naval brasileira. “Eu acredito que minhas experiências servem como um maravilhoso termômetro para a gente perceber o grau de ineficiência com o qual a gente ainda convive no Brasil”. Para Amyr, a falta de padronização na indústria brasileira e de desenvolvimento tecnógico no setor, levam profissionais e exploradores a precisar gastar muito tempo e criatividade desenvolvendo soluções que são simples e estão acessíveis em países como a França e Estados Unidos, por exemplo. O lado bom dessa dificuldade é conhecer cada minúcia da operação dos barcos – e ser mais eficiente na hora de imprevistos.

Na navegação mundial, Amyr vê uma grande evolução. Se em sua primeira viagem à Antártida ele não contava nem com GPS, hoje há instrumentos de alta precisão para prever todo tipo de mudança climática, por exemplo. “Mas eu não acredito que ficou mais fácil navegar. O que temos é mais ferramentas para tornar a navegação segura”, defende.

Marinas: um negócio de R$ 20 bilhões 
Uma das grandes bandeiras de Amyr hoje é mostrar como o Brasil está perdendo tempo, dinheiro e turistas ao não explorar um negócio que pode ser altamente lucrativo: o aluguel de barcos (chamado de ‘charter’).   Pelos cálculos de Amyr, o Brasil poderia estar faturando atualmente em torno de R$ 20 bilhões. Seria um negócio que poderia gerar outros, movimentar cidades, pontos pouco turísticos e até hotéis que ganhariam em cima de parcerias e promoções. É algo que falta aos estrangeiros que vem ao Rio de Janeiro, por exemplo, e não encontram barcos para alugar. “Ou eles vão em um saveiro com pagode, pinga, jogando esgoto no mar ou alugam uma lancha a R$ 4 mil o dia. Com esse mesmo dinheiro, eles moram em um barco na Europa por trinta dias”.

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Barco de Amyr ancorado na Antártida.

Um dos entraves para esse negócio vingar no Brasil, segundo Amyr, é diminuir entraves burocráticos no licenciamento, nas concessões e na formação de pilotos. “Exige-se da pessoa que trabalhará com turismo naútico a formação de sete anos em marinha mercante. Eu tenho 200 mil milhas navegadas em alta latitude e não posso alugar meu barco comigo de piloto”, afirma.

Para ele, a solução seria criar uma categoria média de formação, restrita a atividades turísticas. Sua experiência no assunto envolve seu próprio negócio em Paraty, a Marina do Engenho, onde ele “aluga espaço para 250 barcos” e é o seu negócio mais rentável hoje. Ali, seus poucos clientes que conseguem fazer charter já obtém grande lucro, afirma Amyr.

O sonho de conhecer a Disney 
Grande parte da renda atual de Amyr também provém das palestras que ele ministra pelo Brasil para diversos tipos de público. Só em 2013, realizou quase 100. Ele afirma que o grande número de convites e o bom retorno que recebe do trabalho vem de sua habilidade de contar histórias e de saber previamente para quem irá discursar. “Seleciono minhas experiências de acordo com o tipo de público. Não procuro ficar com lições ou conselhos”.

Seus próximos planos incluem rentabilizar ainda mais sua marina e fazer novas viagens, que tenham duração menor, já que “a vida moderna exige minha presença o tempo todo”. Na sua lista de lugares para conhecer está a Disney. E não se trata de piada ou um detalhe engraçado para quem já navegou nos polos do planeta. “Quero ir do Brasil até os Estados Unidos de lancha, porque de veleiro é muito fácil. Chegando lá, contornarei o litoral pelos canais internos: que têm mais de 40 mil km e 200 mil marinas. Um dos canais dá justamente na Disney, que eu nunca fui”.

Por Barbara Bigarelli, para Época Negócios.

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